LISBOA
Typographia e Stereotypia Moderna
11—Apostolos—1.º
1895
ALBERTO PIMENTEL
A GUERRILHA
DE
FREI SIMÃO
ROMANCE HISTORICO
LISBOA
Livraria de Antonio Maria Pereira—editor
50, 52—Rua Augusta—52, 54
1895
Passei o dia 9 de setembro de 1894, em Cezár, nacasa onde nasceu frei Simão de Vasconcellos, o protagonistad’este romance. A amavel hospedagem comque alli me recebeu o sr. Alfredo Praça de Vasconcellos,bacharel em mathematica pela Universidade deCoimbra e sobrinho de frei Simão, largamente mecompensou dos incommodos da jornada. Eu ia, medianteprévia auctorisação, colhêr informações directassobre um assumpto que me indicára em Lisboa o meuillustre amigo o sr. visconde de Villa Mendo: o assumptod’este livro, cujos pormenores estudei com desveladaexactidão.
Á roda do meu primoroso hospedeiro estavam reunidosem grupo todos os velhos de Cezár que ainda tinhamconhecido frei Simão de Vasconcellos. Trezapenas. Ouvi da sua bôca a narração de interessantesminucias biographicas. Por favor do sr. Vasconcelloscompulsei varios documentos de familia, posterioresao auto-de-fé em que as justiças miguelistas pulverisaramo archivo da sua casa.
Creio que este romance deverá o «sens du réel»,que porventura o vitalise, á profunda impressão querecebi, n’esse dia, em visita ao solar do Outeiro, sobos tectos que abrigaram parte da atormentada existenciade frei Simão; e em passeio pelos campos de Cezár,acompanhado pelos ultimos contemporaneos dofrade guerrilheiro, que paravam reatando lembranças,mencionando logares e factos, e cujos cabellos brancosse doiravam a espaços com algum alado raio desol que luciolava os frócos verdes do arvoredo.
Procurando, no pouco que me era possivel, retribuira patriarchal cordealidade da hospedagem, pedi licençaao sr. Alfredo de Vasconcellos para lhe offerecer esteromance,—a historia da sua familia.
Vi que as lagrimas lhe saltavam dos olhos n’essemomento. Olhando fito em mim com o olhar embaciado,o sr. Vasconcellos respondeu-me:
—Comprehendo a sua intenção, e agradeço-lh’a.Mas se v. quer dedicar o seu livro a um parente dofrade do Outeiro, peço-lhe que o offereça á memoriade meu pobre irmão, o major Augusto Cezár de Vasconcellos,morto na mallograda revolta de Braga em1862, no cumprimento do seu dever.
E as lagrimas abafavam-n’o n’uma commoção torturada.
É pois á memoria d’esse infeliz sobrinho de frei Simãode Vasconcellos que eu dedico a chronica fiel daattribulada existencia e corajosa morte do tio.
Outras jornadas emprehendi por amor da verdadehistorica. Duas vezes tive de ir á Villa da Feira parareconstruir o episodio da evasão de frei Simão de Vasconcellos,da cadeia d’aquella villa.
Da primeira vez não pude colhêr as informações quedesejava. A memoria dos velhos sobreviventes estavaconfusa e hesitante, quasi apagada. Da segunda vez,caminhei ao acaso, dirigindo-me, por palpite ou intuição,ao primeiro homem encanecido que encontrei.Felizmente, elle poude indicar-me a pessoa que reputavahabilitada para esclarecer-me. Assim fiz; e assimfoi.
Desde essa hora, o romance estava completo. E,emquanto o escrevia, eu comprehendia a exacta affirmação,que aos indifferentes de hoje parecerá arrojadahyperbole, contida n’esta phrase de Alexan