As Farpas—R. Ortigão—Eça de Queiroz

AS FARPAS

RAMALHO ORTIGÃO—EÇA DE QUEIROZ

CHRONICA MENSAL DA POLITICA DAS LETRAS E DOS COSTUMES

2.º ANNO

Janeiro a Fevereiro de 1873


Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder,da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo dassciencias, da admiração das grandes personagens, das mystificações dapolitica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grandeuniverso, e da adoração de mim mesmo.

P.J. PROUDHON


SUMMARIO

As idéas no parlamento e a immobilidade egypcia. O discurso da corôa. Os partidos. As fórmas do governo. Governo livre e governo despotico. Republica ou monarchia? A nossa questão, e o nosso voto. Qual é o governo que nos espera. As maiorias e as opposições. Perfil da sociedade portugueza. O descontentamento geral. A nossa intelligencia, a nossa virtude, o nosso direito á liberdade—Reforma do exercito e dosestribos—Asconspirações, as revoltas e as opiniões do parlamento—O enterro da senhoraduqueza de Bragança.—Um conselho á força armada.—Prova-se que a camara dos deputados não tem amolecimento cerebral. Uma figura de rhetorica. O ex-reiAmadeu e varios outros personagens historicos inclusivamente o sr. Arrobas, com uma palavra sobre as botas de s.ex.ª—Resposta áquelle que jurouassassinar-me.—Os srsbispos do ultramar—Oredactor do Espectro e o ministro do reino. A inviolabilidade domestica. A calumnia. A publicidade—Joseph Prudhome e Pickuick.


Toda a animação parlamentar, toda a vida representativa no mez corrente se resumiu no seguinte: a discussão da resposta ao discurso da corôa. Esta discussão partindo de um ponto—a approvação do projecto—, para findar exactamente no mesmo ponto de que partiu—a approvação do dito projecto—, é verdadeiramente a imagem constitucional da kneph dos egypcios, a velha serpente com o rabo na bocca, o symbolo desolador da immobilidade oriental.

Tanta palavra dispendida, tanto tempo empregado, tanto dinheiro perdido, tantos suores, tantos gritos, tantos copos de agua desbaratados para se assentar nos termos em que o rei tem de cumprimentar o paiz e em quo o paiz tem de responder aos cumprimentos do rei!

Como se, não havendo principios nenhuns de politica interna que affirmar, não havendo nenhuns factos de politica externa que expender, o que um rei tem que dizer ao povo e o que o povo tem que responder ao rei podesse, sem o mais criminoso abuso das prolixidades rhetoricas, alargar-se d'estes termos.

Discurso da corôa: «Meus senhores, Deus lhes dê muitos bons dias!»

Resposta ao discurso da corôa: «Senhor! Deus lhe dê os mesmos!»

Tudo mais é emphatico, é ôco, é ridiculo—e é immoral.


Ha um mez inteiro que os srs. deputados, sob o pretexto de accordarem na collocação de um adverbio ou no significado de um adjecti

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